"Quando acordei esta manhã no quarto úmido e escuro, ouvindo o tamborilar da chuva por todos os lados, tive a impressão de que havia sarado. Estava curada das palpitações no coração que me atormentaram nos últimos dois dias, praticamente impedindo que eu lesse, pensasse ou mesmo levasse a mão ao peito. Um pássaro alucinado se debatia lá dentro, preso na gaiola de osso, disposto a rompê-lo e sair, sacudindo meu corpo inteiro a cada tentativa. Senti vontade de golpear meu coração, arrancá-lo para deter aquela pulsação ridícula que parecia querer saltar do meu coração e sair pelo mundo, seguindo seu próprio rumo. Deitada, com a mão entre os seios, alegrei-me por acordar e sentir a batida tranquila, ritmada e quase imperceptível de meu coração em repouso. Levantei-me, esperando a cada momento ser novamente atormentada, mas isso não ocorreu. Desde que acordei estou em paz."

Sylvia Plath



Me escute doutor

Doutor, aumenta essa dosagem, por favor! Já passei pela fase da alegria extrema, da alegria simples, da alegria disfarçada, e agora já não estou conseguindo fingir que estou bem. Por isso, peço que mais uma vez aumente minhas doses. Na verdade, não quero mais medicamentos doutor, só quero que o senhor me cure, é para isso que eu venho aqui, não é mesmo?
Quero voltar a rir do nada, assim como estive a um tempo atrás. Quero voltar a não ter medo nem vergonha de qualquer ato que eu julgue certo. Não quero aquele medo novamente, aquelas dúvidas constantes. Por isso doutor, peço mais uma vez que me cure.
É complicado explicar meus atos, e disfarçar atitudes que são confundidas com bipolaridade. Ninguém entende, ninguém é obrigado a entender. E eu já estou cansada disso. Me desculpe, mas não aguento mais ver a sua cara, quero me livrar logo de você e desse ambiente, de todo esse olhar de piedade quando falo porque estou aqui. O mais difícil de aceitar é que não vejo previsão pra me livrar dessa situação, quando penso que tudo está acabando, me sinto mal novamente. Não aguento mais.
Mas tudo bem, vou ouvir os conselhos do meu pai – afinal, ele sempre tem razão – vou ser otimista, vou acreditar que um dia vou me livrar de você e dos meus medicamentos. É isso mesmo doutor, aguarde e verá e vou me livrar de toda essa droga. Mas enquanto isso doutor, aumente a minha dose e me faça feliz.

"Escrever é esquecer. A literatura é a maneira mais agradável de ignorar a vida. A música embala, as artes visuais animam, as artes vivas (como a dança e a arte de representar) entretêm. A primeira, porém, afasta-se da vida por fazer dela um sono; as segundas, contudo, não se afastam da vida - umas porque usam de fórmulas visíveis e portanto vitais, outras porque vivem da mesma vida humana. Não é o caso da literatura. Essa simula a vida. Um romance é uma história do que nunca foi e um drama é um romance dado sem narrativa. Um poema é a expressão de ideias ou de sentimentos em linguagem que ninguém emprega, pois que ninguém fala em verso."


Fernando Pessoa

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