A história dos pontos

Resolveu escrever. Havia tempo que não escrevia. Nem saberia mais, como começar. Mas precisava escrever. Precisava sentir aquele alívio de transpor em palavras tudo o que sentia, tudo o que vivia. Pegou o lápis, a velha agenda, como costumava fazer nos velhos tempos. Não adiantou. Escreveu dois ou três versos prontos, e nada mais. Pegou o celular. Era engraçado, nunca havia conseguido escrever nada demais ali. Mas foi com aquele aparelho que sua imaginação começou a fluir. Decidiu que seria ali, naquele bloco de notas que colocaria seus sentimentos, suas idéias, sua vida... E olha só essas reticências. Ela adorava reticências. E se odiava por gostar tanto daqueles três pontos, que indicavam o tanto que ela adiava tudo. Tudo mesmo. Certo dia disse que somente usaria pontos finais e exclamações. Só mostraria que estava decidida e muito decidida. Decidida com entusiasmo. Não deu muito certo. Vez ou outra deixava escapar aqueles malditos três pontinhos, era como os costumava chamar. Deixava escapar aquela insegurança, aquele medo do ponto final. Outro dia decidiu que queria aparentar tamanha confiança que só usaria vários pontos de exclamação de uma só vez !!! Assim, desse mesmo jeito. Era tudo muito intenso, muito decidido. Mas a verdade é que a vida dela era guiada por eternos pontos de interrogação. Era como se tudo que ela pensasse viesse com uma carga de "?????". Isso a desesperava, mais do que tudo: A dúvida. Nada machuca mais do que a dúvida, a incerteza do amanhã. 
E assim permaneceu até encontrar o equilíbrio. Até conseguir demonstrar tudo o que sentia, com os pontos certos. Ora reticências, ora ponto final, e lá de vez em quando exclamações, várias exclamações. Descobriu então, que os pontos muito tinham a ver com o que ela era, com o que ela é. Com o que ela queria e o que não queria passar. Começou a usar os pontos ao seu favor. À favor de sua escrita, a favor de sua história.

Ela, talvez, sou eu


  

Uma das minhas maiores dificuldades é me expressar na 1ª pessoa do singular, assim como estou fazendo agora. Já criei várias hipóteses sobre esse meu “problema”, mas a que mais me convence é: Acho muito mais fácil cuidar e ajudar os outros do que a mim mesma. Acho difícil cuidar de mim. Gosto de cuidar do mundo, gosto que o mundo cuide de mim, mas não sei me cuidar. É realmente esse é o problema. Escrevo na 3ª pessoa do singular para sentir que estou sendo cuidada, ao ler, sentir que alguém me entende. É como se fosse outra pessoa escrevesse,  e eu somente lesse e concordasse e ao final exclamasse “Nossa, mas você sabe o que está falando, você me entende!”. E então me preencho de conforto, me preencho de atenção. 

  Ainda, há outra tese que me faz sentido, porém não tão bonita como a primeira. A verdade é que enquanto escrevo desejo que os problemas descritos não sejam meus. Assim, vejo a situação de fora, descrevo aqueles sentimentos, aquelas angústias, como se não fossem minhas. Só observo. Escrevo como se estivesse contando uma história de alguém qualquer, sem deixar pistas que aquela é minha história. Isso me alivia, me faz descarregar tudo que me atormenta, por meio de palavras. Palavras que me condenam.

  Por isso, não me julgue por me tratar sempre como “ela”. Muitas vezes eu sou “ela”, mas nm sempre. Sei que você não irá entender agora, quem sabe um dia. Quem sabe um dia perceba que isso faz sentido, e comece assim como eu, a sair de si quando escreve. Saia de si enquanto conta a sua vida.

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